Vídeo em Santa Catarina: juramento à bandeira brasileira ou pura saudação nazista?
É preciso explicar, desenhando, que manifestações bolsonaristas em SC não têm nada de “patriotas”: são gestos puramente nazistas — e estes estão longe de ser os únicos da trajetória da extrema-direita na política brasileira inaugurada com Bolsonaro
Está circulando com força nas redes sociais um vídeo asqueroso e revoltante em que manifestantes golpistas apoiadores do candidato derrotado à reeleição, Jair Bolsonaro (PL), fazem um gesto nazista, com o braço erguido, durante a execução do hino nacional brasileiro, enquanto bloqueiam a BR-163 em um trecho que corta São Miguel do Oeste (SC), em frente a um quartel do Exército, sob o olhar de militares.
Provavelmente você já viu, mas faço questão de mostrar (clique para assistir):
Felipe Neto também publicou o vídeo. Enquanto escrevo estas linhas, o post do influenciador já tinha sido retuitado quase 35 mil vezes e curtido por ao menos 123 mil usuários. Assista:
Há quem tenha argumentado, em resposta aos vários posts circulando com o vídeo, que trata-se de gesto feito em juramento à bandeira nacional. Bom, não é. Essa é mais uma das fake news sem fim disseminadas pela extrema-direita apoiadora do futuro ex-presidente. Vou desenhar, então, para que todos possam entender.
Existe sim uma cerimônia de juramento à bandeira brasileira. Mas ele é realizada de forma restrita a quartéis, devendo ser feita por quem é dispensado de servir ao Exército. O artigo 217 do decreto 57654/1966, que regulamenta a Lei do Serviço Militar, deixa claro como é o gesto durante o juramento: “(…) braço direito estendido horizontalmente à frente do corpo, mão aberta, dedos unidos, palma para baixo”. Não é o que se viu em SC.
Pois bem. Um ou outro até fez o gesto “corretamente”, mas a imensa maioria dos manifestantes em SC usou a saudação nazista: braço erguido a 45 graus. A imagem abaixo, retirada de um frame logo no início do vídeo, mostra este homem de chapéu com o braço na horizontal, enquanto outros manifestantes usam a saudação nazista. Ele parece até olhar para os outros, como não entendendo bem o que ocorria ali.
E o que ocorria ali tem um só nome: apologia ao nazismo, crime previsto no Brasil pela Lei nº 7.716/1989, cujo artigo 20 prevê o seguinte:
- Reclusão de 1 a 3 anos e multa para quem pratica, induz ou incita a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional (se cometido em publicações ou meios de comunicação social, a reclusão sobe para 2 a 5 anos, além de multa);
- Reclusão de 2 a 5 anos e multa para quem fabrica, comercializa, distribui ou veicula símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo (apologia ao nazismo).
Os gestos nazistas em Santa Catarina não são novidade entre bolsonaristas brasileiros, bem como não o são fora do país, entre apoiadores da extrema-direita. E, lá como cá, vão sempre buscar um subterfúgio fantasioso para explicar que “não é bem assim, veja só”. Bom, é sim. O que eles fazem é apologia ao crime mais hediondo que a humanidade já foi capaz de criar, de forma sistematizada e cruel. (Daí, devo dizer, minha imensa dificuldade de entender como judeus brasileiros apóiam Jair Bolsonaro e seus asseclas).
Dias antes do 2º turno, recebi o vídeo abaixo, em que o ator Caco Ciocler detalha “coincidências” entre símbolos bolsonaristas e de movimentos nacionalistas como o nacional-socialismo de Hitler. Ele cita, por exemplo, o lema “Deus, pátria e família”, repetido à exaustão por Bolsonaro: trata-se do mesmíssimo lema criado pelo fascismo e usado pelos integralistas. Como diz o ator, que é judeu:
“Quem não quer ser comparado a um nazista não se fantasia de nazista”.
Não são coincidências, não é fruto do acaso. Há método no bolsonarismo.
Este professor de filosofia também listou algumas “coincidências” entre o bolsonarismo e o nazismo. Algumas delas já foram dissecadas no vídeo de Caco Ciocler, mas há outras aqui. Assista e tire suas próprias conclusões.
Tem mais: a colunista Milly Lacombe listou, no UOL, outras peripécias nazistas de Bolsonaro antes de ele se tornar presidente em 2018 — o que já dava todos os sinais do flerte dele com o regime de Hitler:
- Em 1998, então deputado, Jair Bolsonaro defende Hitler como figura história na tentativa de autorizar que alunos do Colégio Militar, em Porto Alegre, exaltassem o líder em redação do vestibular.
- Em 2001, um grupo neonazista organiza manifestação de apoio a Bolsonaro no vão do MASP, depois de declarações homofóbicas do deputado ao programa CQC.
- Em 2002, no mesmo programa, Bolsonaro desfila teses negacionistas sobre o Holocausto e diz que os judeus morreram de doenças nos campos de concentração — não tinham sido, portanto, assassinados.
E o mal é de família:
- Em 2015, Carlos Bolsonaro convida Marco Antônio Santos para falar à Câmara dos Vereadores em defesa do movimento Escola Sem Partido, que estabelece regras sobre o que pode ser dito em sala de aula por professores — ele vai à Câmara vestido como Hitler: bigode e corte de cabelo semelhantes e terno com broches militares.
- No ano seguinte, um internauta resgata uma foto de Bolsonaro, o pai, ao lado de Santos — à época, ambos eram do Partido Social Cristão (PSC).
E não acabou quando Bolsonaro tornou-se presidente. A declaração mais simbólica ocorreu em 2019, quando o já presidente visitou o Museu do Holocausto, em Jerusalém. Dias depois, para uma audiência evangélica, disse:
“Fui, mais uma vez, ao Museu do Holocausto. Nós podemos perdoar, mas não podemos esquecer”.
Bolsonaro acha perdoável a morte sistemática de 1 milhão de crianças, 2 milhões de mulheres e 3 milhões de homens judeus— sem nem falar nos milhões de ciganos, gays, poloneses, prisioneiros de guerra, portadores de deficièncias, Testemunhas de Jeová…
Pois eu digo: não podemos perdoar. Desta vez, dissemos isso a Bolsonaro de forma clara ao não renovar seu mandato. Mas os bolsonaristas, como os neonazistas de SC, estão à solta por aí. O Ministério Público promete investigar. Vamos acompanhar de perto.