Vídeo em Santa Catarina: juramento à bandeira brasileira ou pura saudação nazista?

É preciso explicar, desenhando, que manifestações bolsonaristas em SC não têm nada de “patriotas”: são gestos puramente nazistas — e estes estão longe de ser os únicos da trajetória da extrema-direita na política brasileira inaugurada com Bolsonaro

Gabriel Toueg
5 min readNov 2, 2022

Está circulando com força nas redes sociais um vídeo asqueroso e revoltante em que manifestantes golpistas apoiadores do candidato derrotado à reeleição, Jair Bolsonaro (PL), fazem um gesto nazista, com o braço erguido, durante a execução do hino nacional brasileiro, enquanto bloqueiam a BR-163 em um trecho que corta São Miguel do Oeste (SC), em frente a um quartel do Exército, sob o olhar de militares.

Provavelmente você já viu, mas faço questão de mostrar (clique para assistir):

Felipe Neto também publicou o vídeo. Enquanto escrevo estas linhas, o post do influenciador já tinha sido retuitado quase 35 mil vezes e curtido por ao menos 123 mil usuários. Assista:

Há quem tenha argumentado, em resposta aos vários posts circulando com o vídeo, que trata-se de gesto feito em juramento à bandeira nacional. Bom, não é. Essa é mais uma das fake news sem fim disseminadas pela extrema-direita apoiadora do futuro ex-presidente. Vou desenhar, então, para que todos possam entender.

Existe sim uma cerimônia de juramento à bandeira brasileira. Mas ele é realizada de forma restrita a quartéis, devendo ser feita por quem é dispensado de servir ao Exército. O artigo 217 do decreto 57654/1966, que regulamenta a Lei do Serviço Militar, deixa claro como é o gesto durante o juramento: “(…) braço direito estendido horizontalmente à frente do corpo, mão aberta, dedos unidos, palma para baixo”. Não é o que se viu em SC.

Soldados do Exército brasileiro fardados fazem o gesto de juramento à bandeira nacional, com o braço erguido horizontalmente, em posição paralela ao chão
É nesta posição que se faz o juramento à bandeira brasileira: braço paralelo ao chão

Pois bem. Um ou outro até fez o gesto “corretamente”, mas a imensa maioria dos manifestantes em SC usou a saudação nazista: braço erguido a 45 graus. A imagem abaixo, retirada de um frame logo no início do vídeo, mostra este homem de chapéu com o braço na horizontal, enquanto outros manifestantes usam a saudação nazista. Ele parece até olhar para os outros, como não entendendo bem o que ocorria ali.

E o que ocorria ali tem um só nome: apologia ao nazismo, crime previsto no Brasil pela Lei nº 7.716/1989, cujo artigo 20 prevê o seguinte:

  • Reclusão de 1 a 3 anos e multa para quem pratica, induz ou incita a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional (se cometido em publicações ou meios de comunicação social, a reclusão sobe para 2 a 5 anos, além de multa);
  • Reclusão de 2 a 5 anos e multa para quem fabrica, comercializa, distribui ou veicula símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo (apologia ao nazismo).
Para que fique claro pra essa gente, só desenhando

Os gestos nazistas em Santa Catarina não são novidade entre bolsonaristas brasileiros, bem como não o são fora do país, entre apoiadores da extrema-direita. E, lá como cá, vão sempre buscar um subterfúgio fantasioso para explicar que “não é bem assim, veja só”. Bom, é sim. O que eles fazem é apologia ao crime mais hediondo que a humanidade já foi capaz de criar, de forma sistematizada e cruel. (Daí, devo dizer, minha imensa dificuldade de entender como judeus brasileiros apóiam Jair Bolsonaro e seus asseclas).

Dias antes do 2º turno, recebi o vídeo abaixo, em que o ator Caco Ciocler detalha “coincidências” entre símbolos bolsonaristas e de movimentos nacionalistas como o nacional-socialismo de Hitler. Ele cita, por exemplo, o lema “Deus, pátria e família”, repetido à exaustão por Bolsonaro: trata-se do mesmíssimo lema criado pelo fascismo e usado pelos integralistas. Como diz o ator, que é judeu:

“Quem não quer ser comparado a um nazista não se fantasia de nazista”.

Não são coincidências, não é fruto do acaso. Há método no bolsonarismo.

Este professor de filosofia também listou algumas “coincidências” entre o bolsonarismo e o nazismo. Algumas delas já foram dissecadas no vídeo de Caco Ciocler, mas há outras aqui. Assista e tire suas próprias conclusões.

Tem mais: a colunista Milly Lacombe listou, no UOL, outras peripécias nazistas de Bolsonaro antes de ele se tornar presidente em 2018 — o que já dava todos os sinais do flerte dele com o regime de Hitler:

  • Em 1998, então deputado, Jair Bolsonaro defende Hitler como figura história na tentativa de autorizar que alunos do Colégio Militar, em Porto Alegre, exaltassem o líder em redação do vestibular.
  • Em 2001, um grupo neonazista organiza manifestação de apoio a Bolsonaro no vão do MASP, depois de declarações homofóbicas do deputado ao programa CQC.
  • Em 2002, no mesmo programa, Bolsonaro desfila teses negacionistas sobre o Holocausto e diz que os judeus morreram de doenças nos campos de concentração — não tinham sido, portanto, assassinados.

E o mal é de família:

  • Em 2015, Carlos Bolsonaro convida Marco Antônio Santos para falar à Câmara dos Vereadores em defesa do movimento Escola Sem Partido, que estabelece regras sobre o que pode ser dito em sala de aula por professores — ele vai à Câmara vestido como Hitler: bigode e corte de cabelo semelhantes e terno com broches militares.
  • No ano seguinte, um internauta resgata uma foto de Bolsonaro, o pai, ao lado de Santos — à época, ambos eram do Partido Social Cristão (PSC).
Marco Antônio Santos: na Câmara dos Vereadores, a convite de Carlos, e ao lado de Jair

E não acabou quando Bolsonaro tornou-se presidente. A declaração mais simbólica ocorreu em 2019, quando o já presidente visitou o Museu do Holocausto, em Jerusalém. Dias depois, para uma audiência evangélica, disse:

“Fui, mais uma vez, ao Museu do Holocausto. Nós podemos perdoar, mas não podemos esquecer”.

Bolsonaro acha perdoável a morte sistemática de 1 milhão de crianças, 2 milhões de mulheres e 3 milhões de homens judeus— sem nem falar nos milhões de ciganos, gays, poloneses, prisioneiros de guerra, portadores de deficièncias, Testemunhas de Jeová…

Pois eu digo: não podemos perdoar. Desta vez, dissemos isso a Bolsonaro de forma clara ao não renovar seu mandato. Mas os bolsonaristas, como os neonazistas de SC, estão à solta por aí. O Ministério Público promete investigar. Vamos acompanhar de perto.

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Gabriel Toueg

Journalist. Storyteller. Former Mideast and Chile, now in SP, Brazil. Freelancer writer. Check my portfolio https://gtoueg.journoportfolio.com/ Translator.