Quando Bolsonaro ganhou, chorei; quando Bolsonaro perdeu, também

Gabriel Toueg
4 min readNov 3, 2022

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Era 2018 e tudo era previsível demais. Com Lula injustamente preso, por ordem de um juiz parcial que viraria ministro logo adiante, o caminho para a vitória de Jair Messias Bolsonaro ficara livre. Desde 2016 eu vinha dizendo que ele ganharia, mas ninguém me escutava, parecia coisa de louco imaginar que um sujeito inexpressivo, embora barulhento, vindo do Baixo Clero, chegaria ao maior cargo da República. Em 2018, ficou claro que era o que tínhamos pela frente.

Quando Bolsonaro venceu a eleição, eu chorei.

Lembro-me bem. Eu estava em casa acompanhando a apuração, ainda torcendo para a minha profecia e todos os óbvios sinais estarem errados. Mas não estavam. Ia caminhando para a vitória o sujeito que representava tudo aquilo que a democracia execrava: o autoritarismo, a defesa e apologia à ditadura, o assassinato de “30 mil”, o ataque violento e covarde a mulheres, o armamento da população… e aquilo era só o começo.

Parecia o início de um pesadelo. Todo o esforço do “Ele não”, dos movimentos de mulheres, dos progressistas, da democracia haviam sido completamente em vão. Bolsonaro levava a eleição com incríveis 57.797.847 de votos. Quase 58 milhões de brasileiros deixavam de lado valores tão duramente conquistados em nome de um enraizado ódio ao PT.

O pesadelo duraria ainda 4 anos e a cada deslize, cada sigilo de 100 anos, cada escândalo de corrupção, cada ataque à imprensa, às mulheres, a mulheres jornalistas, às instituições, à democracia, cada ministro afastado, a gestão propositadamente desastrosa da pandemia, cada achado da CPI da Covid, o crescente isolamento de um Brasil que outrora abria portas e sorrisos lá fora… a cada evento desses crescia, com o desespero, a esperança de que os dias de Bolsonaro estavam contados.

A voz das ruas reconhece com esperança: o pesadelo de Jair Bolsonaro chegaria logo ao fim

E estavam mesmo, mas foi por pouco. Bem pouco. Mesmo com tudo isso, todos os erros, toda a violência, toda a ameaça óbvia que Bolsonaro representava à nossa tão jovem e tão frágil democracia, ele ainda obteria incríveis 58.206.354 de votos, ainda mais do que em 2018. Mais de 58 milhões de brasileiros ainda acham que os valores morais estão acima do ódio ao PT, a Lula, à corrupção que não é exclusiva de lado algum.

Quando Lula ganhou a eleição, eu chorei.

Chorei, gritei, entrei na onda maravilhosa e enérgica dos vizinhos, até a criançada dos prédios gritava comemorando: “fora, Bolsonaro!” Dias depois do segundo turno, enquanto lavo a louça ouvindo Caetano, sinto-me mais leve. Sinto que, apesar de ainda viver em um Brasil de Bolsonaro, em um Brasil com um forte bolsonarismo, as coisas começam a mudar.

Há um ar de esperança, de liberdade, de devolver aos fétidos armários do conservadorismo e do fanatismo religioso essas pessoas que saíram de lá para transformar o Brasil em um país cindido, polarizado, em que amigos e familiares se tornaram inimigos ou se afastaram de falar de política para evitar brigas; em um país em que a violência política chegava a níveis extremos, com a morte de adversários porque sim, mesmo entre colegas, entre conhecidos. O Brasil é muito mais que isso, o Brasil não merece isso.

Enquanto vislumbro o governo que se iniciará em janeiro, já distante dos golpistas que tomam estradas e fazem barulho ao acreditar nas mais absurdas teorias espalhadas pelo Telegram ou nos grupos de WhatsApp, sinto um ar menos rarefeito, uma chance de respirar diferente em quase quatro anos. Sinto que começa a chegar ao fim um projeto de poder autoritário e antidemocrático, golpista, violento, armado.

Mas a luta não termina aqui. Daqui até a posse de Lula, é preciso estar atento e forte: as tentativas de golpe, de pessoas armadas e não amadas partirem pra porrada, de as forças policiais fazerem motins, de Bolsonaro recuar do reconhecimento tímido de derrota etc. não morreram na eleição, seguem fortes e rondam como fantasmas.

Depois da posse, em janeiro, começa um novo período. Apesar do alívio de poder novamente respirar, é preciso estar de olho: Lula não ganhou um salvo-conduto, ganhou uma eleição. Seu histórico de conquistas para os brasileiros mais pobres, de reconhecimento internacional, de uma economia mais forte, de feitos pelo país está manchado por casos de corrupção. A partir de janeiro, ele precisará ser mais do que isso para deixar o legado que promete para sua história política pessoal e para o país que desejamos verdadeiramente ser.

O brasileiro nunca esteve tão envolvido com política. Apesar da abstenção nas urnas, a mobilização dos dois lados foi grande. Havia um senso, cá e lá, de que o candidato que defendiam era melhor do que o outro. Isso ocorreu com mortos e feridos, brigas e disputas, mas envolveu as pessoas. Meu desejo é que sigam todos tão envolvidos, cobrando, acompanhando, interessados, atentos. E com menos fake news, porque não se pode cobrar incorrupção de quem acredita e espalha mentiras.

Quando Bolsonaro ganhou, eu chorei. Quando Lula ganhou, também chorei. Sei que não estou sozinho e que o Brasil tem chorado muito. Que tenhamos motivos e a força para transformar esse choro no país do qual merecemos voltar a nos orgulhar.

Lembrando do tocante texto Chorando com estranhas no Brasil das eleições, de Natalia Timerman.

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Gabriel Toueg

Journalist. Storyteller. Former Mideast and Chile, now in SP, Brazil. Freelancer writer. Check my portfolio https://gtoueg.journoportfolio.com/ Translator.