Kibutz: laboratório socialista (mai.2007)
A experiência com comunidades coletivas e voluntárias deu certo. Mas para sobreviver, elas tiveram de fazer concessões ao capitalismo
Muito antes de se transformar em uma força do capitalismo globalizado, Israel foi um laboratório para o socialismo. O kibutz, comunidade agrícola sobre a qual todo mundo já ouviu falar, foi a primeira experiência da economia israelense. Um empreendimento coletivo e voluntário, baseado nos mais puros ideais do socialismo sionista.
Nos primeiros anos do Estado de Israel, os kibutzim (plural em hebraico para kibutz) desempenharam um papel extremamente importante no delineamento de fronteiras e na defesa das populações judaicas. Mas a história dessas comunidades começa bem antes disso, ainda no final do século 19, época em que muitos judeus viviam na Rússia czarista. O anti-semitismo, de tão arraigado, virava lei, como a que proibiu os judeus de viver em cidades com menos de 10 mil habitantes. Diante dessa situação, não restavam muitas opções. Uma delas era a imigração em massa para a Palestina.
A década de 1880 foi especialmente simbólica para esse movimento de imigrantes. Cerca de 15 mil judeus, oriundos principalmente do sul da Rússia e regiões vizinhas, fugiram da perseguição czarista e em direção à Terra Santa. Era o fluxo migratório que ficaria conhecido como a Primeira Aliá. Entre 1904 e 1914, veio a segunda, que levou à região outros 40 mil judeus. Foram esses os responsáveis pelo estabelecimento das primeiras comunidades agrícolas — ou agrupamentos (kvutzot, em hebraico).
Socialismo na prática
O primeiro kibutz de que se tem notícia é o Degania, criado em 1909 às margens do Kineret, o Mar da Galiléia. Apenas 12 pessoas — dez homens e duas mulheres — fundaram essa comunidade. Eles enfrentaram as mais adversas situações, de ataques árabes a surtos de doenças e secas cruéis. Ainda assim, o Degania não pereceu. E outros kibutzim foram surgindo, com especial vigor nessa região onde tudo começou. O lendário general Moshe Dayan, principal estrategista de Israel na Guerra dos Seis Dias e ministro da Defesa durante a Guerra do Yom Kippur, foi o primeiro bebê a nascer no Degania, em 1915.
A vida em um kibutz não era nada fácil no início da década de 1950, quando Israel ainda dava seus primeiros passos. Marion Bariach sentiu na pele essa realidade. Ela fez parte do primeiro grupo de brasileiros que chegou ao kibutz Bror Chail, em 1948. Segundo Marion, as condições eram precárias. “Dávamos tudo o que podíamos e recebíamos apenas aquilo de que precisávamos. Era tudo dividido: as roupas, a comida, as acomodações.”
Naquele tempo, quem vivia nos kibutzim costumava enfrentar as agruras cotidianas com altas doses de idealismo. Como a gaúcha Tzivia Kariv, que chegou a Bror Chail alguns anos depois do grupo de pioneiros brasileiros. “Não precisávamos ser doutores, engenheiros ou dentistas. O importante era trabalhar a terra em nome do ideal sionista.” Mas a passagem dos anos se encarregou de provar que o movimento kibutziano tinha muito de utopia e pouco de pragmatismo. Tzivia deixou Bror Chail com seu marido em 1994, depois de viver ali por mais de 40 anos. Hoje, mora na cidade costeira de Ashkelon, 54 quilômetros ao sul de Tel-Aviv. E diz que, olhando para trás, já não sabe explicar como pôde suportar as condições de sobrevivência em um kibutz daquela época. “Sentíamos um orgulho imenso ao dizer que éramos membros de um kibutz. Mas, no dia-a-dia, tínhamos literalmente de afundar na lama para chegar aos quartos.”
Marion Bariach também deixou Bror Chail e agora vive em Tel-Aviv. Hoje, acredita que o conceito original dos kibutzim “vai contra a natureza humana”. “O homem quer ter sua família, seu canto, um trabalho… Não quer dividir tudo que ganha pelo bem de um ideal.” A brasileira refere-se ao “socialismo na prática”, adotado em todas as comunidades daqueles tempos — os membros trabalhavam em troca de benefícios e serviços gratuitos (de alimentação a lavanderia e energia elétrica), além de uma espécie de mesada, cujo valor era designado pela coletividade.
Modelo esgotado
A falência do modelo original de kibutz era clara desde o início da década de 1980. Em 1985, ficou ainda mais evidente. Naquele ano, Israel enfrentou uma crise econômica. Os kibutzim sentiram os efeitos. Em cada um deles, o conceito de comunidade coletiva começou a ser questionado. “Primeiro, os membros perguntaram-se onde é que tinham errado”, diz Schlomo Getz, diretor do Instituto de Pesquisa sobre Kibutzim, da Universidade de Haifa — ele mesmo membro de um kibutz desde a década de 1970. “Logo depois, já estavam se preocupando com a conquista de liberdades. Queriam, por exemplo, ter condições de comprar aquilo que o kibutz não podia oferecer, como qualquer cidadão.”
De acordo com o pesquisador, no final da década de 1980 o conceito socialista de kibutz já dava sinais inequívocos de esgotamento. “Membros com 30 ou 40 anos começaram a deixar os kibutzim, ao perceber que eles não proviam mais suas necessidades”. Quem batia em retirada eram os filhos dos fundadores, consideravelmente menos comprometidos com o ideário que deu origem ao movimento. De lá para cá, calcula Getz, mais de 60% dos kibutzim passaram a pagar salários proporcionais ao trabalho executado por cada um de seus membros. Hoje, apenas 84 dos 270 kibutzim ainda seguem o modelo original.
Para todos os gostos
Não importa seu estilo: sempre há um kibutz que combina com você
Kibutz na praia
O Palmachim, criado em 1949, fica perto de Rishon LeTzion, cerca de 10 quilômetros ao sul de Tel-Aviv, no litoral mediterrâneo. Foi fundado por integrantes da organização clandestina Palmach, de onde vem o seu nome.
Kibutz populoso
O Ma'agan Michael (1949) tem quase 2,7 mil habitantes — a maior população entre todos os kibutzim. Nele são fabricados instrumentos médicos, um negócio que fatura 100 milhões de dólares por ano.
Kibutz rico
O Hatzerim (1943) e o Yotvetá (1957) são exemplos de kibutzim ricos. O primeiro é sede de uma fábrica de tecnologia de irrigação, com receita estimada em 300 milhões de dólares anuais. No segundo, há uma fábrica de laticínios cujos produtos são vendidos em supermercados e em uma rede própria de restaurantes — com filiais nas maiores cidades.
Kibutz brazuca
Fundado por judeus refugiados do Egito em 1948, Bror Chail é conhecido como “o kibutz dos brasileiros”. Seu restaurante tem uma churrascaria estilo rodízio. Há também um museu dedicado ao gaúcho Oswaldo Aranha, presidente da assembléia geral da ONU que dividiu a Palestina.
Por Gabriel Toueg, de Jerusalém. Texto publicado originalmente na edição especial da revista Aventuras na História sobre o 60º aniversário do Estado de Israel, de maio de 2007. O texto está transcrito como no original. Imagens da versão original serão incluídas oportunamente.
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