É preciso varrer os Bolsonaros da política

Censura a reportagem desfavorável ao presidente e sua família é só o mais recente episódio de uma política de poder que escanteia e coloca em tensão o Brasil e os brasileiros

Gabriel Toueg
6 min readSep 24, 2022

Eu tinha acabado de entrar em casa e a TV estava ligada na CNN Brasil. Em meio a notícias menos importantes, a chamada: TJ ordena retirada do ar de matérias sobre imóveis comprados com dinheiro vivo pela família Bolsonaro.

O nome disso é censura e até o ministro do STF “terrivelmente evangélico” de Bolsonaro concorda.

Diante da notícia, não me contive e despejei palavrões para ninguém ouvir. Em que regime vivemos, mesmo? Como é que um fulaninho, apesar da existência de provas contundentes de corrupção e de lavagem de dinheiro, inclusive exibidas pelo UOL em uma segunda matéria, a pedido, consegue barrar na justiça o livre exercício da imprensa? Em vez de explicar, os Bolsonaros barram a informação e atacam o mensageiro.

Os tempos são assustadores.

Em meio à odiosa polarização crescente que nos obriga a escolher entre apenas dois candidatos —embora um seja um democrata e outro flerte com o autoritarismo, o que basta para dirimir qualquer dilema — ficamos à mercê de constantes declarações golpistas e ameaçadoras de um presidente que não quer aceitar a provável derrota iminente.

Pode nem ser derrota. Ainda há tempo para o jogo mudar, mas até agora as pesquisas (as sérias) têm indicado um cenário em que a “boca do jacaré”, como dizemos os jornalistas e dizem os estatísticos, só se abre: o primeiro colocado vai ampliando sua vantagem em relação ao segundo com a proximidade do pleito.

Desnecessário detalhar aqui os números, que são de amplo conhecimento público. Pelas sondagens, Lula teria margem até mesmo para vencer já no 1º turno, o que parece inaceitável para a turba bolsonarista e para o próprio Bolsonaro. Ele insiste que levará a reeleição – e já no dia 2 de outubro, quando vamos às urnas para a primeira rodada.

Em que mundo de fantasia infantil vivem Bolsonaro e os bolsonaristas? Por que questionar as mesmas urnas que garantiram a Jair e a cada um dos seus filhos a entrada e a tão longa permanência, por décadas, na política brasileira? Por que só o fazem quando elas, as urnas, claramente não lhes serão mais favoráveis? De lá para cá, a urna eletrônica só vem melhorando, aperfeiçoando seu código, tornando-se mais segura. Ganha o Brasil.

Imagino que para extremistas enlouquecidos, como é o caso dessa gente, o vislumbre de uma derrota soe ameaçador. Mais ameaçador ainda se for contra aquele a quem o projeto bolsonarista prometeu, com um discurso anticorrupção que nunca saiu do papel, ser exterminado, bem como “toda a petralhada do Acre” e de todo o Brasil. Ainda pior, para eles, se isso ocorrer mesmo no 1º turno, o que parece ir se configurando como uma possibilidade mais e mais real.

Bolsonaro não é messias.

Bolsonaro não é mito, a não ser na concepção alternativa da palavra: mentira, lenda, fábula, crença, alegoria, fantasia, utopia.

Bolsonaro não tem um projeto de país. Tem apenas um projeto de poder que passa pela necropolítica; pelo sarcasmo e insensibilidade ao imitar pessoas morrendo da doença que parou o mundo enquanto ele se negava a agir; pelos ataques à imprensa —e em particular a jornalistas mulheres — ; pelas ameaças que faz às instituições, com destaque contra o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Bolsonaro não protege nada além dos próprios filhos. O presidente não protege os pobres, não protege “a minoria”, não protege os vulneráveis, não protege a Amazônia e os outros biomas brasileiros, não protege a população sequer daquilo que foi sua principal pauta, a segurança pública, que cresce no país apesar de o presidente ter agido para armar até os dentes milhares de CACs, boa parte tão extremista quanto o presidente.

Bolsonaro não protege a verdade (ele mentiu 5 vezes por dia, em média, desde o início do mandato)– mas cria narrativas enganosas e mentirosas para justificar seu desgoverno e inabilidade. Em vez de proteger, ele assassina a verdade com requintes de crueldade.

Bolsonaro defende grupos de extermínio e defende a tese de que “bandido bom é bandido morto”. Faz apologia desavergonhada da violência.

Bolsonaro mente, engana, manipula dados, transforma graves acusações para que lhes pareçam favoráveis, censura quem não lhe agrada, rotula de “comunistas” os que abandonam o barco furado de seu não-projeto, coloca sob sigilo fatos, investigações e processos que o têm – ou aos filhos – como alvo, trata adversários como verdadeiros inimigos, interfere sem vergonha na cara na Polícia Federal para obter os resultados que deseja.

Bolsonaro é corrupto e promove ou acoberta a corrupção em seu entorno: as rachadinhas, a compra dos 51 imóveis com dinheiro vivo, a propina de 1 dólar por dose de vacina, o orçamento secreto, o balcão de negócios no Ministério da Educação, os laranjas do PSL… são muitos casos e os brasileiros sabem disso: 69% veem corrupção no governo Bolsonaro.

Bolsonaro precisa ser varrido da política. Com ele, todos que pregam a destruição de uma democracia ainda jovem, conquistada a tão duros sacrifícios e selada em uma Constituição que ele jurou respeitar mas que ele age para queimar no fogo ardente do seu ódio a tudo e a todos.

Ao que tudo indica até aqui, essa faxina, a começar pelo imundo atual ocupante do Planalto, começará em 1º de janeiro de 2023. Bolsonaro vai perder e perderá, com a derrota na eleição, também os direitos de proteção e imunidade que lhe deviam ter sido cassados há tempos, após ter tantas vezes empurrado goela abaixo e ao limite e nos fazendo tragar à força seus preconceitos, seu ódio, sua violência, sua truculência, suas ameaças.

Bolsonaro montou um plano para explodir banheiros. Nada se fez.

Bolsonaro sugeriu, na TV, que o presidente em exercício da época, FHC, fosse assassinado. Nada se fez.

Bolsonaro ameaçou bater numa mulher nos corredores do Congresso, depois de dizer que ela “não merecia ser estuprada”. Nada se fez.

Bolsonaro disse, a Preta Gil, mulher negra, que “bem educados”, os filhos não se apaixonariam por uma mulher negra porque não “viveram em um ambiente como lamentavelmente é o teu”. Nada se fez além de uma multa.

Disse em entrevista à Playboy, que para ele um filho gay seria um filho morto – que pai é capaz de dizer uma coisa dessas? Nada se fez.

Bolsonaro bradou o nome de um torturador na ocasião do julgamento do impeachment de uma mulher (claro, uma mulher, o alvo preferido de um preterido Bolsonaro) que fora torturada pelo homem que o então deputado homenageou. Nada se fez – e tivessem feito algo, poderíamos estar em outro momento da história.

Ninguém nunca o barrou.

Bolsonaro era um bufão. Era tido como irrelevante demais por ser do que convencionamos chamar de Baixo Clero. Era um palhaço circense num palco oferecido de graça pela imprensa sensacionalista. “Ele nunca chegaria à imprensa”. “Ele jamais ganharia com 8 segundos de TV e rádio”.

Mas ele chegou. E subiu a rampa, vestiu a faixa, diante de milhões de incrédulos que ficaríamos deprimidos e abalados.

E cá estamos, novamente prendendo a respiração como estivemos ao longo dos últimos 4 anos, torcendo sob tensão para que o dia 3 logo chegue com melhores notícias – e para que a derrota de Bolsonaro nas urnas não seja estímulo suficiente para a corja de seguidores que ele mesmo se preocupou em armar até os dentes. O Seis de Janeiro nos EUA ensinou que não se deve subestimar essa gentalha. As mortes e agressões de bolsonaristas contra quem pensa diferente não permite ignorar que tudo pode acontecer até que tudo volte a uma aceitável normalidade.

Tudo vai voltar à normalidade. Depois de bradar, recusar o resultado, incitar os séquitos, promover motociatas e se recusar a sair do Planalto, ele será julgado e condenado – senão pela justiça, ao menos pela história. Bolsonaro, afinal, segue à risca a cartilha trumpista.

Mas o pesadelo não vai acabar aí. Uma vez derrotado e retirado Bolsonaro, será o momento de derrotar o bolsonarismo, essa corrente de ódio e de preconceito que dividiu o país. Dizem que ideias nunca morrem. Mas até bem pouco tempo atrás essas pessoas estavam em armários esquecidos em salas fétidas e abandonadas. Bolsonaro abriu a porteira para que o gado se espalhasse com seus fervorosos mugidos extremistas.

Caberá ao Brasil devolvê-los à irrelevância.

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Gabriel Toueg

Journalist. Storyteller. Former Mideast and Chile, now in SP, Brazil. Freelancer writer. Check my portfolio https://gtoueg.journoportfolio.com/ Translator.